quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não ouvimos nada ainda

Em 1927, estreava nos cinemas americanos o filme O Cantor de Jazz. Ninguém imaginava na época, mas apenas quatro frases foram suficientes para imortalizar o ator Al Jonson como a primeira pessoa a falar no cinema. O filme se desenvolve como muitos outros de sua época, repleto de pantomimas, até que em um dado momento Al Jonson toca uma música em seu piano e fala algumas frases. A última delas: “vocês não ouviram nada ainda”. E a partir daí o filme volta ao padrão mudo da época.

O “vocês não ouviram nada ainda” provocou uma revolução em Hollywood, modificando os métodos de interpretação, a estrutura necessária para a gravação dos filmes e o modus operandi dos estúdios de cinema, eliminando do cenário muitos astros e abrindo espaço para novas estrelas.

Nesta terça-feira, dia 22, tivemos, durante o 12o Fórum de Varejo da América Latina, em São Paulo, um momento desses. Em vez de Al Jonson, porém, quem ocupava o palco era John Strand, uma das maiores autoridades mundiais em MVNO (Mobile Virtual Network Operator). Trata-se de um sistema no qual empresas colocam suas marcas em sistemas de telecomunicações fornecidos pelas operadoras tradicionais. Enquanto as marcas passam a cuidar da comercialização e do marketing, as operadoras de telefonia encarregam-se da infraestrutura.

Trata-se de um negócio que, em todo o mundo, vem em forte crescimento. Na Dinamarca, por exemplo, há dez anos havia apenas duas opções a escolher em telefonia celular. Hoje, são mais de 20. No Reino Unido, Virgin e Tesco possuem milhões de clientes de planos de telefonia celular com suas marcas, usando seus sistemas de pagamento e sendo incorporados aos bancos de dados dessas empresas, o que reforça o conhecimento desses consumidores e amplia as oportunidades de negócios com eles.

O fato é que o MVNO tem potencial para provocar grandes mudanças no mercado brasileiro. A primeira delas é um fortalecimento ainda maior das grandes marcas varejistas, que, por já possuírem um relacionamento forte com os consumidores e um posicionamento bem definido, conseguem traduzir esses atributos para planos de voz e dados em telefonia celular. Ao fazerem isso, essas empresas reforçam a imagem que já têm junto aos clientes, em uma espiral positiva que permite reverter uma das principais tendências identificadas na edição deste ano do Fórum de Varejo da América Latina: a pressão sobre a rentabilidade causada pela facilidade de comparação de preços e características dos produtos.

Ao entrar na seara das operadoras de telefonia celular e criar seus próprios planos, focados nas necessidades de seus consumidores, as empresas varejistas podem ainda identificar nichos de mercado que seriam inviáveis ou pouco interessantes para uma operadora de telefonia explorar com sua própria marca. É possível prever que, em um futuro próximo, haverá marcas de telefonia para o público surfwear, para os “descolados”, os intelectuais, os singles e assim por diante. John Strand acredita que nos próximos cinco anos, assim que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) regulamentar o MVNO no Brasil, haverá uma explosão na quantidade de marcas e opções disponíveis para os consumidores, o que permitirá a cada cliente encontrar aquela marca e aquele plano que é sua cara.

Esse é um passo irreversível e lembra de certa forma o desenvolvimento das marcas próprias de produtos pelo varejo. Se hoje no varejo alimentar brasileiro cerca de 6% das vendas decorrem de marcas próprias, isso deve-se ao fato de que as empresas que colocam suas marcas nos produtos que vendem contam com uma força tamanha que funcionam como aval de qualidade, posicionamento e estilo para seu público. Por esse motivo, por que não pensar em um telefone celular ecológico, ou orgânico? Ou ainda em um telefone para maratonistas, com serviços agregados (como GPS ou transmissão dos dados da corrida em tempo real)? São modelos e soluções que não fazem muito sentido em um mercado massificado, mas que se tornam cada vez mais interessantes com o desenvolvimento e a saturação desse mercado, pois passam a ser formas de diferenciação. Exatamente como vem ocorrendo com as marcas próprias nos supermercados de todo o mundo.

O fato é que “não ouvimos nada ainda”, quando o assunto é MVNO. Certamente ouviremos muito nos próximos anos, mas precisamos nos preparar desde já se queremos assumir um papel de protagonista nessa nova fase da evolução do mercado.


Renato Müller, gerente de publicações da GS&MD

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