quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Pequena parábola de um dia chuvoso

Dia chuvoso durante um pequeno período de férias. Caso isso não venha a ocorrer em algum paraíso natural, o seu destino será invariavelmente passear por alguma (ou algumas) loja. Não importa que o bom senso que o impediu de passear a pé para conhecer a cidade tenha sido o de evitar tomar chuva. Caso o destino não lhe tenha proporcionado acesso fácil a algum centro de compras fechado (shopping, mal, outlet, etc.), você se verá disputando espaço entre os guarda-chuvas nas calçadas e carregando um número de pacotes que insiste em aumentar em peso e em volume e, contraditoriamente, molhando-se graças à chuva, durante esse exercício de equilibrista.

Mas, como tudo na vida tem suas compensações, graças à intempérie climática você terá a oportunidade de finalmente comprar aqueles itens que faziam falta ao seu guarda-roupa e que você, teimosamente, procrastinava. Quem sabe, à espera de um providencial dia de chuva.

Ao chegar à loja, passeia por ela, observa os modelos expostos, pergunta para a atendente qual a diferença entre as oito modelagens de calças jeans disponíveis (afora cores e lavagens diferentes), de forma a selecionar aquelas que estão mais de acordo ao seu gosto pessoal; tenta adivinhar qual combinação entre tamanho de cintura e comprimento da perna é compatível às suas dimensões; e voilá, entra na cabine de prova com dois ou três modelos para experimentar.

Nesse momento você se dá conta de como a rede de lojas está investindo fortemente em tecnologia para proporcionar ao cliente a maior satisfação possível em sua visita (ah, eu havia me esquecido de comentar que essa pequena história se paga em Chicago). Todas as cabines possuem, nos espelhos, um sistema de comunicação com os atendentes, de forma que você possa solicitar uma numeração diferente, no caso dos modelos trazidos ao provador não terem se adaptado corretamente às suas dimensões. No meu caso, a experiência de falar ao “espelhofone” foi postergada, já que graças à ajuda da atendente e um pouco da minha memória, a numeração trazida à cabine estava correta.

Bom, uma calça nova pede uma camisa nova (ou até três, em se confiando nas proporções “top & bottom” que os criadores das coleções de moda se baseiam para preencher a loja com novos modelos). Saí novamente pela loja em busca de camisas masculinas que não só combinassem com a calça nova adquirida, mas alguma outra que me inspirasse. Por sorte, essa era uma loja à qual eu sempre recorria quando em viagens ao exterior, justamente porque, além de possuir modelos adequados ao meu gosto pessoal e de uma boa relação custo-benefício, sempre primou um padrão de modelagem que me permitia comprar as camisas do meu tamanho, sem surpresas desagradáveis.

Bom, o primeiro dos modelos selecionados não possuía a numeração XXL, necessária para alguém que ultrapassa 1,95m de altura. O segundo, para minha surpresa, também não. O terceiro... Comecei a ficar intrigado, pois como o cenário econômico americano não era de excitação de vendas e a coleção Outono-Inverno tinha chegado às lojas há relativamente pouco tempo, parecia difícil crer que os estoques da loja já estavam acabando, ainda mais porque a numeração em questão é daquelas que insistem em ficar para as liquidações.

Fui perguntar a um vendedor. Qual a minha decepção em descobrir que a rede havia determinado não mais oferecer a numeração XXL nas lojas, porém perfeitamente disponível nas compras via e-commerce!

O vendedor, inclusive (revelando senso de oportunidade e bom treinamento), insistiu que ele poderia me ajudar a comprar online na própria loja, já que a rede se preocupava em oferecer aos clientes a melhor experiência multicanal possível, contando com terminais para situações como essa. Consultamos a disponibilidade dos produtos no estoque da operação de e-commerce e descobrimos, para minha consternação, que o prazo para entrega ao meu hotel seria incompatível com as datas que eu estaria em Chicago, uma vez que o Centro de Distribuição da companhia ficava em outro Estado, mais distante. Lógico que haveria a possibilidade de eu solicitar um serviço de entrega de urgência, porém o custo dessa modalidade era proibitivo e, curiosamente, a empresa que se orgulhava da tal experiência multicanal não permitia exceções em relação à cobrança dos fretes.

Fiquei bastante intrigado com essa experiência porque, sem dúvida, em momentos econômicos difíceis como o que os norte-americanos estão passando, é totalmente defensável que se faça todo tipo de racionalização no sentido de reduzir custos e riscos à operação. E reduzir a grade de oferta de produtos, ainda mais aqueles ligados à moda, colaboraria nesse sentido.

O que me pareceu mais contraditório nessa circunstância é que a racionalização não estava ocorrendo na dimensão do número de modelos e/ou dos padrões de modelagem (slim fit, regular fit, etc.) e sim, justamente, sobre a numeração, contrariando aquilo que se sabe sobre o comportamento do consumidor em um ambiente de moda. Dado que o contato desse consumidor com a coleção se dá primariamente na loja, caso a racionalização do sortimento ocorresse sobre o número de modelos, ele não seria afetado a priori, pois faria sua escolha entre os modelos disponíveis. No entanto, o consumidor não tem condições de alterar suas próprias dimensões para “se adaptar” às restrições que lhe foram impostas.

Saí da loja obviamente contrariado (e com a chuva um pouco mais forte agora), refletindo sobre a primeira vez que eu me deparei com a integração entre a operação e-commerce e da loja sendo utilizada para reduzir o nível de serviço ao consumidor. Na maioria das vezes, o que se vislumbra com a integração desses canais é justamente ampliar as alternativas ao cliente.

Pior: ao chegar ao hotel, reparei que não haviam retirado o alarme da calça que eu havia comprado, sabendo que, infelizmente, não haveria solução online que me resolvesse esse tipo de problema. Só bastava esperar que ao menos a chuva diminuísse um pouco para voltar à loja no dia seguinte.


Alexandre Horta (horta@gsmd.com.br), sócio-sênior e diretor da GS&MD – Gouvêa de Souza

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