segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Seria bizarro, se não fosse trágico

Seria bizarro, se não fosse trágico Existe uma séria e ampla discussão sobre a evolução da infraestrutura do país, em especial aquela que precisará ser completada para os grandes eventos internacionais que se aproximam. Mas tem sido cometido o engano de imaginar que estruturas, obras, instalações e equipamentos serão os elementos necessários, ainda que com investimentos muito elevados, para resolver os problemas que hoje ocorrem e que beiram ao bizarro.

É preciso muito mais. É preciso pensar em processos, pessoas e atitude, sem o que se pode investir muito e o que será obtido será algo medíocre apenas mais bem instalado, comunicado e ambientado.

A descrição em seguida é só um exemplo do que queremos explicar.

Manhã de sábado, final de férias, o vôo internacional, um 777 absolutamente lotado, chega alguns minutos adiantado, às 5h50, no aeroporto internacional de São Paulo, o mais movimentado do Brasil. Por algum desencontro de informações o avião taxia pela pista muito mais do que seria habitual e acaba sendo levado para um terminal remoto, situação em que não se usa o finger e em que todos devem desembarcar e entrar no ônibus, para serem encaminhados ao processo de imigração. O uso dos fingers é hoje o padrão internacional mínimo, em especial para grandes aeronaves, mas, precisamos reconhecer, não é uma unanimidade: alguns grandes aeroportos, como os de Madrid ou Londres, ainda usam ônibus em determinados períodos ou para aeronaves menores.

Por algum outro desencontro de informações e problemas de processo, a escada que deveria ser acoplada não está disponível no local e deve ser deslocada, o que é feito por um funcionário. Exatamente, um único esforçado funcionário. São aproximadamente 20 minutos de espera, todos os passageiros de pé no avião, justificadamente ansiosos para desembarcar depois de 11 horas de vôo, além das outras mínimas três horas no aeroporto de embarque (situação habitual hoje em dia, ante os problemas de tráfego aéreo no mundo). Aguardam que a dita escada seja acoplada e que outros funcionários e mais os ônibus se apresentem para iniciar o desembarque.

Os passageiros são então encaminhados para o controle de passaporte de um dos dois terminais do aeroporto, onde os aguarda uma fila de aproximadamente 300 pessoas, numa sala sem ar condicionado e com acesso dividido entre passageiros com passaporte brasileiro e outros.

A fila para estrangeiros tem no máximo 20 pessoas, com cinco atendentes dedicados a esse grupo. A rapidez do atendimento deve surpreender os estrangeiros acostumados a ficar mais tempo que os nacionais em todos os aeroportos do mundo. Deve ser uma forma bem brasileira de dar as boas vindas.

Os nacionais, no Brasil, devem esperar muito mais. A fila para os brasileiros tem os demais 280, com cerca de oito atendentes dedicados. O vôo recém chegado deve adicionar mais 300 pessoas à desconfortável e “calorosa” sala. Dentro das mesmas proporções entre estrangeiros e brasileiros, se seguirá um contínuo de vôos, especialmente internacionais, que concentram seu pico de chegada nessas primeiras horas da manhã.

No meio da confusão generalizada, um preocupado funcionário da empresa administradora dos aeroportos pergunta pelo número de brasileiros chegando para uma eventual alteração da configuração do número de atendentes dedicados, como se essa informação não estivesse disponível pelo menos com dez horas de antecedência, pelas listas de passageiros, ou pelos padrões históricos de comportamento de chegadas para o período nos últimos dez anos. Um problema de processo.

Cerca de 30 minutos após, no trança-trança das filas organizadas em caracol, uma forma interessante de promover novos relacionamentos, tendo como tema o esdrúxulo da situação, consegue-se acessar a responsável pelo atendimento, de uma empresa terceirizada, onde a cada uma é dado o direito de escolher a roupa que quer vestir (talvez prestigiando a diversidade cultural), mas que aparenta determinar o padrão de falta de atenção, já que nem um cumprimento é feito. Uma questão de pessoas e atitude.

Salvo melhor juízo ou memória, são muito poucos os aeroportos no mundo nos quais o serviço de controle de passaportes seja terceirizado, pela responsabilidade envolvida e nível de controle necessário. Em alguns casos, como em Xangai, na China, o passageiro é convidado num terminal de serviços a avaliar, digitando numa tela, com nota de um a cinco, o padrão de atendimento recebido.

No caso brasileiro, acreditamos que o alto custo do funcionário público deva ter sido o indutor da terceirização, elogiável como estratégia, mas que deveria ser complementada pelo estabelecimento de métricas e padrões de atendimento mínimos. Uma questão de processos, pessoas e atitude.

Mas a melhor surpresa ainda estava por acontecer. Logo após ter finalmente conseguido passar pelo controle de passaporte, sem uma mínima atitude positiva de respeito com o passageiro, na sala seguinte, onde deveriam estar as malas aguardadas por perto de umas 500 pessoas, de diferentes chegadas, é notado que o voo que foi mencionado não constava na lista de chegada daquele terminal. O ônibus havia deixado os passageiros no terminal errado e deveriam todos agora voltar para um novo ônibus, para serem encaminhados ao outro terminal! Um problema de processo, comunicação e gente.

Arrebanhados entre os que estavam nas diversas filas e já alguns dispersados na sala de coleta de bagagens, aos gritos, são todos solicitados a tomar um novo ônibus para serem encaminhados ao outro terminal. Lá, uma negociação rápida com os policiais federais controladores gerais de confusão evita que o grupo, ao menos do primeiro ônibus deslocado, tenha que novamente entrar numa fila para controle de passaportes. Nesse terminal a situação era ainda mais caótica, com o fim da fila já na saída de alguns fingers. Situação que, segundo nos foi informado, tem sido uma constante em alguns momentos de pico, obrigando o desligamento das escadas rolantes para acomodar a fila.

Em seguida o processo de coleta das bagagens que, pelo todo do tempo consumido, já haviam chegado e se espalhavam pelo chão por falta de espaço para mantê-las na esteira. E após isso, mais uns 15 minutos em outro caracol de filas para conseguir passar pelo controle aduaneiro onde um, exatamente UM dedicado servidor publico recolhia as declarações de bagagem, sem nenhum tempo ou condição de olhar minimamente para o que trazia cada passageiro e cumpria sua obrigação parcial de recolher os documentos. Sem condição de verificar nada, o que seria também sua atividade. Um problema de processo e atitude.

A saída da sala de desembarque reúne a ansiedade de quem chega e passou incólume por todas as peripécias, com a excitação de quem esperava, lotando uma área exígua com uma multidão ávida por trocar informações e abraços. Todos ao mesmo tempo, no mesmo espaço, o que torna a saída do aeroporto mais uma parte da maratona, que se completará com a fila de taxis que, em alguns momentos, leva mais de uma hora para ser atendida. Uma questão de processo, planejamento e atitude.

Como se pode perceber, todos os investimentos previstos em instalações, obras, equipamentos e sistemas seguramente serão importantes para minorar os problemas, mas não para resolvê-los se não forem complementados por revisões de processos, mudança de atitude, geração de comprometimento, estabelecimento de padrões, programas de treinamento e um mínimo de planejamento, incluso nos processos. E isso não precisa esperar concorrências ou megainvestimentos. Precisa apenas de determinação para fazer o que tem de ser feito, com a visão da busca da excelência.

A anunciada privatização parcial de alguns serviços de alguns aeroportos, ou mesmo a privatização integral para a construção de novos aeroportos, sob o controle de empresas e não do governo, pode ajudar a reduzir o imenso fosso que existe entre a imagem que o país quer construir e a realidade do dia a dia. Que seria apenas um conjunto de bizarrices, não fosse uma trágica amostra de uma falida e desastrosa política de serviços públicos.

E nesse caso, muito mais do que investimento, é uma questão de atitude.


Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br), diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza (01-08-2011)

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