quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Visite nossa cozinha!

A placa com esses dizeres, que vemos em todos os restaurantes, não está ali por uma atitude gentil da gerência da casa: é uma exigência legal. Em mais uma das pérolas daqui de Pindorama, os estabelecimentos comerciais que servem refeições, como os restaurantes, são obrigados a afixar, em local visível, uma placa com os dizeres “Visite nossa cozinha”. O Decreto n.º34.557/94, posteriormente regulamentado por leis municipais, traz intenção louvável, mas seu efeito é inócuo, dado que na vida real quase ninguém visita a cozinha de um restaurante. Talvez os clientes achem melhor não ver como os pratos estão sendo preparados, acreditando (ou querendo acreditar) que tudo está sob controle, e que seu aparelho digestivo não será vítima de um terrorismo alimentar. O que os olhos não veem, o coração (e o estômago) não sentem...

Inevitável imaginar o que aconteceria se comerciantes de outros ramos fossem obrigados a convidar seus clientes a visitar seus bastidores. Como uma rede de lojas de varejo sendo obrigada a convidar seus clientes a visitar seus depósitos, onde as mercadorias são processadas, armazenadas e distribuídas. Explicar aos clientes quais foram os critérios de compra, e, consequentemente, de distribuição para cada filial seria tarefa inglória, para dizer o mínimo. Por um motivo simples: boa parte das nossas redes de varejo não planeja adequadamente suas compras, apenas controlando volumes e distribuindo para as lojas os produtos já comprados. Quase tudo no feeling e experiência dos compradores, quase tudo sem históricos estatísticos.

Para o varejo brasileiro, o paradigma de crescimento é abrir lojas, de preferência com elementos arquitetônicos internacionais. Ocupar e defender territórios. Ter mais lojas que seus concorrentes diretos. Tudo parece convergir para definições estratégicas de alto nível. Cada nova loja traz geração de caixa para a empresa, dilui seus custos fixos e amplia a visibilidade da rede. Além dos ganhos econômico-financeiros e de marketing, ainda traz uma tremenda massagem no ego de seus principais gestores, pois a expansão desperta admiração e comentários no mercado.

Esse paradigma, porém, traz alguns riscos ocultos. Como um restaurante que vai expandindo seu salão, colocando mais mesas, ampliando o cardápio, contratando mais garçons, fazendo reformas e puxadinhos, mas deixando a cozinha quase com a mesma estrutura anterior. Ou seja, mesmo tendo mais mesas para atender, com novos e diferentes clientes e mais garçons pressionando no balcão, seus processos são “como antigamente”. Investe-se muito no salão, mas pouco na infraestrutura que deveria suportá-lo. Vemos com frequência esse tipo de situação ocorrendo nos varejistas. Os motivos específicos diferem, mas os efeitos são sempre os mesmos: grandes ineficiências nos estoques, por conta de falhas nos processos de gestão comercial e por falta de sistemas de informações estruturados.

O efeito deletério nos estoques não é diretamente medido pelo varejista, mas é claramente percebido pelos seus clientes, que não encontram as mercadorias desejadas nas filiais que frequentam.

Mas por que esse tipo de problema acontece? A explicação é relativamente simples: investir em infraestrutura exige inteligência, consome tempo, esforço e dinheiro, mas não fica explícito ao público, principalmente aos concorrentes. A cozinha não aparece, o que aparece é o salão. Enfim, não dá glamour. Melhor trabalhar no novo projeto de loja, na nova estratégia de marketing. O paradoxo é que a rede de lojas pode seguir crescendo, com suas ineficiências ficando ocultas nos becos da gestão empresarial, que sempre podem apontar para outros culpados que não os principais gestores da organização.

Mas há limites, e esses chegam no momento em que os clientes começam a debandar para concorrentes menores, que possuem mais agilidade sem ainda a dependência de estruturação interna; ou para concorrentes mais bem estruturados, que acertam o mix que o cliente deseja. Ou quando os estoques atingem níveis astronômicos, comprometendo o caixa da empresa e mesmo seus espaços de armazenagem. De qualquer forma, mesmo não trazendo glamour, os investimentos em infraestrutura permitem trazer o principal: clientes. E não clientes quaisquer, mas os clientes certos, o seu público-alvo, aqueles que a concorrência parece buscar o tempo todo.

É preciso entender que os consumidores vão às lojas atrás de mercadorias e que o equilíbrio consistente no mix ofertado é crucial para a maximização das vendas e a otimização dos estoques. O consumidor não vai ao restaurante para ver a cozinha, mas, ironicamente, é a cozinha que proporciona o ápice da experiência gastronômica: a refeição. Muito pouco adianta a refeição chegar à mesa fria ou mal preparada. Ou a refeição certa ser entregue na mesa errada. As estratégias de marketing e as reformas nas instalações, que tanto orgulho trazem aos varejistas, criam o contexto, mas ficam ocas sem o mix de mercadorias adequado.

Parece óbvio e simples, mas raramente encontramos varejistas levando a sério seus investimentos em infraestrutura. As ineficiências com as quais nos deparamos diariamente nos processos de gestão de mercadorias, do produto à logística, dariam um livro. Não bastasse o gargalo de infraestrutura que nossos governos já nos impõem, as próprias empresas contribuem internamente para esses gargalos.

Uma boa alternativa aos varejistas seria alinhar seus investimentos em infraestrutura aos objetivos estratégicos da empresa, entendendo que tudo faz parte de uma grande engrenagem. Não tratar infraestrutura como algo operacional, de menor status, e sim como um passo fundamental para a expansão e consolidação da rede de lojas. Como disse um dia um dos grandes pensadores de estratégia, o canadense Henry Mintzberg: “nada é tão estratégico quanto o operacional”...


Ivan Corrêa (ivan@gsmd.com.br), sócio diretor da GS&MD e líder das práticas de gestão de mercadorias da Unidade de Consultoria de Operações

Nenhum comentário:

Postar um comentário