quinta-feira, 26 de maio de 2011

Conheça o ECR, o sistema que está revolucionando as relações entre varejistas e fabricantes

Cynthia Rosenburg, da EXAME

Dia 19 de março, 4 horas da manhã. O caminhão placa BWQ 0015 chega ao centro de distribuição do grupo Pão de Açúcar, no quilômetro 17,5 da Rodovia Anhangüera, em São Paulo. O recepcionista Marcos Oliveira digita um número no computador e em menos de 2 minutos confere os dados da nota fiscal na tela. Fornecedor: Gessy Lever. Carga: 672 caixas do sabão em pó Omo. Segundos depois, Oliveira checa as plataformas livres para descarga e autoriza a entrada do caminhão. As caixas são retiradas com empilhadeiras e em pouco tempo o motorista já pode fazer outra entrega, em outro ponto da cidade. Em meia hora tudo está resolvido e os pacotes de Omo estão disponíveis para abastecer as prateleiras das 322 lojas do grupo Pão de Açúcar espalhadas pelo país. Até pouco tempo, esse tipo de operação, crucial para os dois lados do negócio, poderia durar um dia inteiro gasto em conferências de notas fiscais, esperas em filas, correções de enganos na hora da entrega e confusão. Hoje, 24 horas é o tempo que a Gessy Lever leva para recolocar nas prateleiras uma caixa de sabão em pó em redes de varejo como o Pão de Açúcar.
Bem-vindos ao mundo do ECR, sigla para efficient consumer response, ou resposta eficiente ao consumidor. Na década de 80, empresas do Japão como a Toyota revolucionaram a indústria automobilística ao popularizar o just-in-time e o kanban. O fornecedor entrou nas fábricas, estoques e custos foram reduzidos. Nos anos 90, empresas como Procter & Gamble e Unilever estão transformando o relacionamento entre a indústria e os varejistas com o ECR - uma espécie de just-in-time de última geração. Segundo a consultoria Kurt Salmon Associates, especializada em varejo, a resposta eficiente ao consumidor pode ajudar as companhias americanas a economizar 30 bilhões de dólares anuais e reduzir seus estoques em 41%. Resultado: uma queda de até 10% nos preços do sabonete, da alface ou do detergente comprado pelo consumidor. No Brasil, ainda são poucas as empresas que estão apostando nos benefícios do ECR, mas o clube tende a crescer daqui para a frente. Um estudo da consultoria PricewaterhouseCoopers mostra que a economia por aqui pode chegar a 4,5 bilhões de dólares anuais.
A base do ECR é a informação. O sistema reúne transmissão eletrônica de dados, padronização do transporte e pesquisas dos hábitos de compra do consumidor que podem dizer se uma garrafa de cerveja deve ocupar esse ou aquele lugar no supermercado. Mais: diz se uma indústria deve produzir creme dental em embalagens de 50 ou 90 gramas. O sinal de alerta é disparado quando o estoque do varejo baixa até um determinado nível. Essa informação é transmitida em tempo real para o fabricante e chega até as linhas de produção - é o computador substituindo os cartões coloridos de controle de estoques do velho kanban. A eficiência da logística - caminhões padronizados, hora marcada para entrega, uso de código de barras - permite que a reposição seja feita em poucas horas. Assim, o gerente do supermercado só mantém em estoque aquilo que vai vender nas próximas horas. Em contrapartida, o fornecedor só produz aquilo que é necessário.
Transporte, distribuição e armazenamento - a logística envolvida entre a fabricação e a venda para o consumidor final - podem representar até 35% do preço de um produto. Num mercado cada vez mais competitivo, em que cada centavo conta, essa pode ser a diferença entre a vida e a morte de um negócio. No final da década de 80, o Pão de Açúcar esteve à beira do abismo. Os custos eram altíssimos, os preços idem. Ressabiados, os consumidores tomaram chá de sumiço. "Percebemos que só conseguiríamos sobreviver e crescer se usássemos o melhor sistema de logística possível", diz José Simão Filho, diretor de logística do grupo Pão de Açúcar e presidente para o varejo da ECR Brasil, associação que reúne empresas como Nestlé, Coca-Cola, Bompreço e Sonae. "Foi aí que descobrimos o ECR."
O conceito surgiu nos Estados Unidos no início desta década e chegou ao Brasil há cerca de dois anos. Com a estabilização dos preços provocada pela queda da inflação, os consumidores deixaram de estocar alimentos, aumentando o número de visitas ao supermercado. Para conseguir atendê-los, a indústria e o varejo foram pressionados a gerenciar melhor seus estoques. Qualquer falha nesse processo pode fazer com que você não encontre aquela caixa de sabão em pó na prateleira e resolva fazer suas compras em outro lugar. "A eficiência e o bom atendimento ao consumidor, que sempre foram importantes, agora são fundamentais", diz Caio Grimaldi, gerente de categoria da Kolynos. "Quem não percebeu isso, em breve, ficará fora do mercado."
Para a maioria das empresas brasileiras, o ECR não passa de uma sigla de três letras. Para os poucos que aderiram ao sistema, os resultados começam a aparecer. Analise:
A Gessy Lever comunica-se eletronicamente com 20% de seus compradores. Com isso, reduziu o custo dos pedidos e consegue entregar produtos de alto giro nos supermercados em até 24 horas. Em 1996, a empresa tinha 180 fornecedores de transporte. Hoje são 58. De lá para cá, o número de solicitações de clientes atendidas na quantidade certa e no prazo combinado cresceu de 26% para mais de 80%.
No centro de distribuição do Pão de Açúcar, em São Paulo, o número de cargas recebidas diariamente triplicou nos últimos dois anos. Nas lojas do grupo, o índice de falta de produtos caiu de 25% para 4%, e o tempo médio de armazenamento das mercadorias passou de 40 para 10 dias. Com menos estoque e mais espaço, foi possível colocar novos produtos nas lojas.
Há alguns meses, a Kolynos fez um estudo do comportamento dos consumidores de duas lojas da rede de hipermercados Cândia, em São Paulo. Foram usadas as técnicas do chamado gerenciamento de categorias, cujo objetivo é colocar o produto certo no lugar certo das lojas. Para conseguir isso, são feitas pesquisas com base nas informações armazenadas nos computadores dos caixas e em entrevistas com consumidores. Ao final do estudo, a Kolynos percebeu que uma simples mudança na disposição dos produtos de higiene bucal e a separação das escovas de dentes para adultos das infantis poderiam aumentar as vendas desses artigos em 12%.
Nesse mesmo estudo, o Cândia teve uma surpresa: os consumidores também queriam ver nas prateleiras artigos para dentaduras encontrados em farmácias. Foi necessário, então, sair em busca de novos fornecedores.
O principal fator para que ganhos como esses apareçam não está nos investimentos em tecnologia. Computadores e leitores de código de barras estão aí, no mercado, para quem quiser comprar. O maior desafio do ECR é a integração. "Nada acontece sem a troca transparente de informações entre fabricantes e varejistas, o que é complicado por envolver mudanças culturais", diz Ricardo Gomez, sócio responsável pela área de bens de consumo da PricewaterhouseCoopers.
São transformações que chegam a mudar a essência do trabalho de alguns funcionários. Um exemplo: durante décadas, o pessoal da área de vendas dos fabricantes usou as informações do varejo em negociações de preço - a idéia era aproveitar estoques baixos para vender mais caro. Com o ECR, isso deixou de acontecer. Na reposição eficiente, o preço é negociado anteriormente para que o processo seja ágil. "O relacionamento deixa de ser comercial para ser funcional", diz Roberto Banfi, diretor de vendas da Sadia, que nos últimos meses vem implantando o ECR. "E o vendedor começa a achar que está sendo substituído pelo sistema, que perdeu lugar na empresa." Para driblar a ansiedade dos funcionários, a Sadia tem um programa de treinamento para esclarecer dúvidas sobre o sistema. A Ciro Distribuidora de Alimentos, atacadista de Taubaté, no interior de São Paulo, pretende transformar seus vendedores em especialistas de produtos, com conhecimentos de mercado e logística. "O trabalho deles poderá contribuir para o gerenciamento de categorias", diz Moisés Alves de Souza, gerente de automação comercial da Ciro. "O ECR não vai substituir vendedores. Vai mudar o perfil deles."

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