sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O Lado Negro das Compras Coletivas

Talvez, no futuro, 2010 seja conhecido no varejo como o ano dos sites de Compras Coletivas. Embora as bases para o desenvolvimento desse modelo de negócios já estejam presentes há algum tempo, somente agora a maturidade do consumidor, o acesso à web, a confiança nas compras online e a oferta de negócios interessantes criaram um ambiente propício para o desabrochar desse modelo de relacionamento B2C.

Os sites de Compras Coletivas são a onda da vez no mercado online e, como tal, vive-se um momento de proliferação das alternativas, cada player disposto a ganhar massa crítica para sobreviver e prosperar quando a inevitável depuração chegar e manter em operação apenas as empresas mais capacitadas.

As oportunidades são imensas. Alguns números ilustram o impacto que esse modelo de negócios já tem sobre o varejo. Em setembro, segundo o Ibope, 4,5 milhões de pessoas acessaram sites de Compras Coletivas, mais que o número de internautas em sites de varejistas tradicionais, como as Casas Bahia. Em outubro, segundo a FIA/USP, houve uma deflação de 2,8% nos preços na web, em parte devido aos sites de Compras Coletivas.

Nos Estados Unidos, onde o conceito nasceu com a ideia de transportar para o mundo online as ofertas imbatíveis encontradas em clubes de atacado e outros formatos de descontos, grandes varejistas também embarcaram na onda. A Gap, por exemplo, fechou um acordo com o Groupon, dono do Clube Urbano no Brasil, para oferecer ofertas válidas para todo o território americano. O Groupon, por sinal, com dois anos de vida já possui um valor de mercado de mais de US$ 1 bilhão, tendo sido a segunda empresa mais rápida na história a atingir essa marca, atrás apenas do YouTube.

Walmart e Target também realizam testes com a plataforma, buscando, em primeiro lugar, entender o impacto que as Compras Coletivas terão sobre suas operações e, principalmente, sobre os resultados.

O conceito de Compras Coletivas tem semelhança com o que as redes de moda fast fashion e clubes de atacado fazem no mundo offline. Ofertas instantâneas, normalmente válidas por um único dia, para estimular compras de impulso que não ocorreriam de outra forma. O aumento do fluxo de clientes compensa a queda da margem e aproveita ociosidade em determinados momentos. Com isso, mantém-se uma operação saudável.

O perigo está em esquecer algum desses preceitos. Considerando que, na maioria absoluta dos casos, as ofertas apresentadas nos sites de Compras Coletivas são de serviços (spas, bares, restaurantes, esportes de aventura, atividades de lazer), um súbito e inesperado aumento no volume de clientes (fruto de, por exemplo, não estipular limites à quantidade de clientes ou horários) derruba a qualidade do atendimento e cria um efeito perverso, em que uma ação destinada a fazer mais pessoas conhecerem o serviço causa experiências negativas que dificilmente podem ser revertidas. Como no caso de uma empresa de tratamentos estéticos que, por conta da alta procura por seus serviços, não consegue atender bem suas clientes, tem todos os horários lotados, grandes filas de espera e, com isso, gera mais irritação do que benefícios.

Existe, porém, uma questão mais ampla. Os sites de Compras Coletivas têm como grande apelo justamente o preço baixo. “50% de desconto na diária do hotel X”, “67% off no restaurante Y”, e por aí vai. A ideia é oferecer um desconto substancial para que o cliente vá experimentar o serviço em um momento de “casa vazia” e, gostando, idealmente se disponha a, futuramente, comprar a preço cheio.

O que temos visto na última década no mercado americano demonstra, porém, que o consumidor, ao comprar com 50% de desconto, deixa de aceitar consumir a preço cheio. Cria-se um círculo vicioso em que os clientes querem preços cada vez mais baixos, forçando o varejo a reduzir suas margens para conseguir vender. Nos Estados Unidos, a tônica da temporada de Natal é abrir as vendas na chamada Black Friday (sexta-feira após o Dia de Ação de Graças, no fim de novembro) com grandes promoções, que só se intensificam ao longo das semanas seguintes e desembocam em liquidações de saldo no mês de janeiro. No mercado americano, vender a preço cheio é quase uma impossibilidade, devido ao comportamento “descontomaníaco” dos consumidores, mais e mais habituados a comprar a melhor oferta.

Entretanto, reduzir a estratégia corporativa a preço baixo é um caminho difícil, para muito poucos. Por isso, é preciso ir além do preço baixo, para que o cliente não consuma comente quando o preço é promocional. Deve-se dar uma grande atenção a toda a experiência que será gerada a partir dessa compra com desconto, para que o cliente retorne e admita pagar um pouco mais para receber algo diferenciado. Um restaurante que oferece 50% de desconto em um site de Compras Coletivas deve estar preparado para dar ao cliente uma experiência impecável, com a melhor refeição, em um ambiente encantador, com agilidade, excelente atendimento e a sensação de privilégio por ter pago tão pouco e ter recebido tanto. Dessa forma, o cliente poderá retornar e consumir sem desconto.

Caso contrário, a empresa entra em um círculo vicioso em que só vende porque oferece desconto, deprimindo suas margens de operação. Com o tempo, essa é uma receita perfeita para ser apenas mais um na multidão...


Renato Müller (muller@gsmd.com.br), gerente de Publicações da GS&MD

Nenhum comentário:

Postar um comentário